O que acontece com o sistema cardiovascular quando você treina? Pesquisadores explicam

O sistema cardiovascular é constituído pelo coração e vasos sanguíneos (artérias, veias e capilares), sendo responsável pela circulação do sangue. Suas principais funções consistem em conduzir para todas as células do corpo, hormônios, gases, nutrientes e transportar resíduos metabólicos para que sejam eliminados do corpo.
A depreciação da capacidade funcional dos sistemas cardiovascular e nervoso autônomo (simpático e parassimpático) é ocasionada pelo envelhecimento, determinada pela da perda de força e massa muscular, diminuição da freqüência cardíaca máxima e débito cardíaco. Esses fatores ocorrem, pois há um aumento da rigidez arterial, hipertrofia no miocárdio, ocasionando degeneração muscular com substituição de células miocárdicas por tecido fibroso, aumento da atividade nervosa simpática, declínio na resposta à estimulação adrenérgica do coração e redução da sensibilidade barorreflexa (Locks,  et al, 2012).
Esse processo é agravado pelo estilo de vida sedentário, contribuindo para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e outras condições crônico-degenerativas. Os benefícios observados através do exercício físico induzem alterações no sistema cardiovascular, tais como: bradicardia de repouso, redução da exacerbada atividade simpática periférica e cardíaca; melhora da sensibilidade dos pressorreceptores da função endotelial; melhora da variabilidade da freqüência cardíaca e da pressão arterial (Locks, R et all, 2012).
A resposta do sistema cardiovascular a um exercício depende de uma série de fatores, que irão influenciar direta e indiretamente essa resposta.O tipo de exercício, a duração, intensidade, e quantidade de massa muscular envolvida, criam respostas adaptativas distintas (FORJAZ, TINUCCI, 2000).
Conforme duração e intensidade do exercício transcorrem a produção de metabólicos, principalmente pelos músculos geram a produção de substâncias como a adenosina, prostaglandina e óxido nítrico, que são responsáveis pelo relaxamento da musculatura lisa, proporcionando uma resposta vasodilatadora e como conseqüência o aumento do fluxo sanguíneo local. Ao mesmo tempo reduzindo o retorno venoso devido à menor pressão por área nos vasos, resultando na queda da pressão arterial diastólica (Ballard, 2014; Boushel et al., 2002; Vitorino et al., 2007).
No estudo de Lunz (2013) foi comparada a resposta autonômica cardiovascular de praticantes de musculação, corredores de longa distância e não praticantes de exercício, observou que o exercício aeróbio age de forma distinta em comparativo com o exercício resistido. Ele age diretamente no centro regulador neural da FC; no controle barorreflexo da FC via aumento do tônus vagal modulando metaborreceptores e mecanorreceptores dos músculos motores; facilitando a transmissão colinérgica vagal; e aumentando o antagonismo da atividade simpática via aumento da produção de óxido nítrico atrial. O aumento do débito cardíaco se dá em função da elevação da freqüência cardíaca e volume sistólico. Com a diminuição da resistência vascular periférica ocasionada pela liberação de óxido nítrico, se observa um aumento da pressão arterial sistólica e manutenção ou diminuição da pressão arterial diastólica.
Para os exercícios resistidos pode-se caracterizar dois tipos: os dinâmicos – quando há contração muscular, seguida de movimento articular – e os isométricos – quando há contração muscular, sem movimento articular (FORJAZ; TINUCCI, 2000). Nos exercícios isométricos observa-se aumento da frequência cardíaca, com manutenção ou até redução do volume sistólico e pequeno acréscimo do débito cardíaco. Devido à contração isométrica ocorre a obstrução do fluxo sanguíneo muscular, aumentando a resistência vascular periférica e como consequência elevação da pressão arterial. Esta limitação à circulação sanguínea faz com que metabólitos (lactato, hidrogênio, fosfato, adenosina, potássio) sejam acumulados, ativando os quimiorreceptores, que estimularão o sistema nervoso simpático.
Nos exercícios dinâmicos não existe a obstrução mecânica do fluxo sanguíneo fazendo com que haja excitação dos receptores musculares (metaborreceptor e mecanorreceptor), estimulando a atividade nervosa simpática. O aumento da circulação sanguínea direciona o sangue para musculatura ativa e disponibilizando a liberação de metabólicos musculares. A hiperemia observada é responsável por uma maior produção de óxido nítrico e da prostaglandina que tem como função a vasodilatação, reduzindo a resistência vascular periférica. Ocorre ainda o aumento da freqüência cardíaca, volume sistólico, débito cardíaco e da pressão arterial sistólica e manutenção ou redução da diastólica.
Um estudo realizado por Fontana e Schneider (2017) com 15 indivíduos entre 20 a 30 anos, praticantes exercícios resistidos de alta, foi avaliada a extensão e flexão do joelho unilateral a 180º/s, com diferentes durações (45 segundos, 30 segundos e 15 segundos) e intervalo de 2 minutos. Em relação a frequência cardíaca (FC) houve aumento em relação ao repouso, porém não foram observadas valores significativos quanto o aumento progressivo da intensidade. Um fato interessante observado pelos pesquisadores em relação a FC foi que seu nível se manteve elevado acima do repouso, mesmo após 10 minutos da interrupção da atividade. Nessa mesma pesquisa foi avaliada os valores de pressão arterial sistólica (PAS), onde se observou uma elevação da PAS. Os autores citam ainda que o intervalo entre as séries diminuído resulta em maiores respostas sistólicas em exercícios de resistidos. Por fim a pressão arterial diastólica (PAD) foi observado uma diminuição do seu valor em recuperação em comparação com o repouso, isso implica em uma resposta hipotensora diastólica isolada ao esforço máximo. Relevante análise realizada pelos autores quando contrastado a fase de recuperação da PAD e FC juntos. Com a diminuição da PAD em repouso a FC permanece elevada, com intuito de manter o retorno venoso para o coração.
Locks et al. (2012) utilizaram uma amostra de idosos com idade igual ou superior a 60 anos que realizaram um programa de exercícios físicos de 20 minutos de caminhada e exercícios resistidos para a musculatura dos membros inferiores durante 12 semanas. Ao longo do programa foram realizadas 5 avaliações para comparativo dos valores frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, diastólica, distância percorrida no teste de seis minutos de caminhada e 3 avaliações para os valores de carga máxima para o treinamento resistido. Os dados revelaram uma redução da pressão arterial sistólica em repouso entre a 4 e 12 semanas de treinamento quando comparada com valores pré-teste, com uma diminuição da pressão arterial diastólica em repouso após a aplicação do teste de seis minutos, que foi utilizado como avaliador da aptidão cardiorrespiratória. No estudo observou-se que, após oito semanas, a FC imediatamente após o esforço submáximo foi superior à verificada após o esforço antes do treinamento, indicando que os idosos conseguiram atingir maior intensidade de trabalho ao fim do teste dos seis minutos a partir da terceira avaliação.
De maneira geral, há extensa literatura apontando para como ocorrem os processos adaptativos para esses tipos de atividade. Mas há aspectos que deveremos abordar em outro momento como a questão do coração de atleta e a hipertrofia patológica (MARON e MARON, 2018) e as alterações de ECG (PERIN et al., 2016)
Referências
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Prof. Esp. Priscila Galbiati Abasto – Professora de Educação Física especialista em Fisiologia do Exercício: e-mail: priscila.personal@live.com.br.
Prof. Dr. Flávio Rebustini – Doutor em Educação Física. Aperfeiçoamento em Teoria do Treinamento (Moscou – Rússia).

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