Como o favoritismo pode prejudicar atletas de ponta

O cenário é a Copa do Mundo de 2018, acréscimos dados, o empate é praticamente um carimbo no passaporte de volta da seleção em questão. No apagar das luzes, gol! Na saída do campo o jogador Toni Kross da Alemanha na entrevista não titubeia; “…É muita alegria. Estou tentando lidar com isso, são muitas pessoas se alegrando. A gente aprende também, mas é muito divertido.” (GLOBOESPORTE.COM., 28/06/2018)
Nesse mesmo cenário, em um outro jogo, com gol também nos acréscimos. Felipe Coutinho que fez o gol apoteótico para a vitória, em sua entrevista diz “… Todo mundo correu e se dedicou. Merecemos a vitória” (GLOBOESPORTE.COM., 22/06/2018). Nessa entrevista temos a relação da vitória com a dedicação coletiva e mediante essa disciplina é possível conquistar resultados, um discurso diferente da entrevista anterior.
Estamos falando de Alemanha e Brasil, das falas de dois dos melhores jogadores de futebol na atualidade. Realizando uma breve análise dessas falas podemos encontrar uma mudança na construção ideológica presentes nesse grupo. Mediante essas falas é possível inferir que a Alemanha joga por prazer e o Brasil pela disciplina. Essa mudança pode ser analisada como espelhamento das críticas recebidas pelos dois países. De um lado, o Brasil sempre associado ao futebol arte, que desde o fracasso na Copa de 1950, ouve-se e crescentemente foi exigido um futebol mais tático, mais sistemático e carismático. Todo esse discurso cai por terra com a espetacular geração de 1958 a 1970. Novamente em razão do jejum nas décadas de 70 e 80, volta-se a especulação da necessidade de uma maior “disciplina” do Brasil. Na Alemanha o inverso, sempre sistemáticos, disciplinados e eficientes. Mas que em raros momentos foram expressão de criatividade e habilidade. O clamor por mudança culmina com os pífios resultados durante a Eurocopa de 2000, que resultaram em um projeto de longo prazo que culminou com o título mundial de 2014. Em ambos os casos foi a busca de um ingrediente a mais, sem perder a essência do futebol secular apresentado pelos dois gigantes do futebol. E esse “a mais” também entrou nos discursos, indicando que os jogadores estão sendo trabalhados nesse sentido.
Mas como esse favoritismo desses gigantes e das alegrias e frustrações com as expectativas não atingidas mexem com os atletas. Ambos chegam com chegam com obrigações de serem campeões pela história e nem sempre pelo momento que vivem os times.
Novamente, nós chegamos em uma copa com a obrigação de sermos campeões, não só por nós brasileiros, mas ao redor do mundo é a previsão das casas de aposta ao redor do mundo. Contudo, a história recente nos mostra que nas duas últimas Copas (2002 e 1994) vencidas pelo Brasil havia um baixo favoritismo.
De que forma essa pressão pelo favoritismo pode afetar os atleta?
O estresse competitivo tem sido considerado um dos fatores psicológicos mais determinantes para o desempenho esportivo, especialmente no alto rendimento. Segundo Brandão (2000 p.08) “o stress e a ansiedade são fatores que podem influenciar a concentração e com isso a capacidade do atleta de ter uma performance efetiva”. E complementa que uma das maiores preocupações dos treinadores de futebol é manter a motivação e a concentração mesmo quando favoritos. O estresse competitivo tem sido considerado um dos fatores psicológicos mais determinantes para o desempenho esportivo, especialmente no alto rendimento. (CRUZ, 1997).
A torcida, na Rússia ou no Brasil tem o poder de influenciar as emoções e, consequentemente, o desempenho dos atletas a ponto de interferir em estruturas cognitivas alterando o seu desempenho. Isso já tinha sido apontado por Machado em 1998, com o estudo do efeito da torcida sobre a agressividade e ansiedade em adolescentes. E que de maneira geral, não se distancia muito das possíveis reações no alto nível, derivando mais na intensidade.
Por vezes, os atletas, e nesse caso, os 23 convocados pagam por algo que nem participaram e pela desconfiança de uma geração que ainda não se consolidou. Pagam por um discurso de ódio e polarização nacional em todas as esferas da vida cotidiana que é um reflexo da nossa instabilidade com o momento político que o pais está inserido. E que na Copa de 2018 tem um peso maior em razão do resultado da equipe em 2014. Como aponta Wisnik (2008, p. 403). “[…] em vez de dizer que o Brasil se faz reconhecer pelo seu poderio futebolístico mas não pelas coisas de fato importantes, é o caso de reconhecer que talvez seja difícil alguma coisa ‘de fato importante’ acontecer se não formos sequer capazes de compreender o sentido da importância que o futebol ganhou no Brasil.”
Temos uma seleção que tenta se robotizar e um discurso cada vez mais coletivo, fugindo da concentração sobre um ou outro jogador porque qualquer desvio da curva gaussiana comportamental esperada é colocar um alvo nas costas e ser um saco de pancadas até o próximo jogo. Isto tem um sentido de coesão de equipe e também adiciona uma camada de proteção dos expoentes internos. Cada vez mais devemos pregar a disciplina e o trabalho duro. Atitudes diversas desse discurso serão fortemente atacadas, principalmente pela forma que a mídia constrói o seu discursos e os Leads. E uma pulverização de opiniões em razão da amplitude das redes sociais. Assim, se divertir? Irresponsável! Chorar? Midiático! Comemorar o gol? Opressão e inferiorização de quem tomou o gol. Bom, ainda não chegamos a esse ponto, mas estamos quase.
Essa obrigação de ganhar a Copa, e a possibilidade de falhar nesse intento existe, pode levar os atletas a um alto nível de ansiedade. Sendo uma reposta de caráter negativo, no qual sentimentos de nervosismo, preocupação e apreensão estão associados à ativação do corpo. (SPIELBERG,1966).
Na coletiva após a classificação o técnico Tite afastou o favoritismo: “A gente não vive de expectativa, vive de realidade [em relação ao favoritismo ao título da Copa]. De equipe que mentalmente suporta pressão, equilibrada, que tem peças de reposição para momentos importante. O Marcelo se machucou com dois minutos de jogo. Tem que ter uma equipe forte. Se não tiver essa preparação toda dos atletas, seguramente não teríamos esse desempenho. Essa situação é de vocês, de apostadores, mas não a nossa. A nossa é de busca de crescimento” (JORNAL DO BRASIL, 27/06/2018)
Há dois anos e meio atrás corríamos um sério risco de nem chegar a Copa. Aqui estamos, como favoritos e com uma medalha de ouro nas Olimpíadas a tiracolo. Será que esses meninos não tem o direito e ter prazer e também de se divertir com as suas conquistas?
Todos temos o direito de sonhar e se divertir em busca do nosso sonho. Viver um grande sonho é correr um sério risco de se frustrar conforme a entrega que se emprega nele. Mas para que pregarmos esse discurso, sempre procurando um desvio para punir? Evitar não nos decepcionarmos por um possível adiamento do Hexa nos faz perder o prazer que é uma Copa do Mundo. Que esse mecanismo de defesa seja apenas extra-vestiário, e que não se esqueçam por que dedicam a jogar futebol.
Referências
BRANDÃOM. R. F. Fatores de stress em jogadores de futebol profissional. Tese (Doutorado em Psicologia), Universidade Estadual de Campinas 2000.

CRUZ, J. F. A (1997). Stress, ansiedade e competências psicológicas em atletas de elite e de alta competição: relação com o sucesso desportivo. In: Cruz, JFA, Gomes, AR (eds.). Psicologia aplicada ao desporto e à actividade física. Braga: Universidade do Minho.
GLOBOESPORTE. Toni Kroos comenta pressão sofrida e gol da vitória no fim: “Muito divertido”. Disponível em: https://globoesporte.globo.com/futebol/selecoes/alemanha/noticia/kroos-comenta-pressao-sobre-alemanha-e-gol-da-vitoria-no-fim-muito-divertido.ghtml> Acesso em: 28 de junho de 2018
JORNAL DO BRASIL. “Hoje vou tomar uma caipirinha”, diz Tite após vitória do Brasil. Disponível: http://www.jb.com.br/copa-do-mundo/noticias/2018/06/27/hoje-vou-tomar-uma-caipirinha-diz-tite-apos-vitoria-do-brasil/. Acesso em 28 de junho de 2018.
MACHADO, A. A. Interferência da torcida na ansiedade e agressividade de atletas adolescentes. 1998. 186 f. Tese (livre-docência) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro, 1998. Disponível em: .
SPIELBERG, C. D. The effects of anxiety on complex learning and academic achievement. In: SPIELBERG, C.D. (Ed.) Anxiety and behavior. New York: Academic Press, 1966. p. 361- 398.
TORCEDORES.COM Tite analisa vitória do Brasil como consistente e rechaça favoritismo ao título da Copa. Disponível em: https://www.torcedores.com/noticias/2018/06/tite-favoritismo-do-brasil-ao-titulo-da-copa?enable-feature=new_layout> Acesso em: 28 de junho de 2018
UOL. Melhor do Jogo Coutinho diz que seleção foi premiada com vitória. Disponível em: < https://esporte.uol.com.br/futebol/copa-do-mundo/2018/noticias/2018/06/22/melhor-do-jogo-coutinho-diz-que-selecao-foi-premiada-com-vitoria.htm> Acesso em: 28 de junho de 2018
WISNIKJ. M. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Autores
Rodolfo Codo Rasmusen  Psicólogo e especializando em Psicologia do Esporte pela Universidade Estácio.
Dr. Flávio Rebustini – Coordenador da Pós-Graduação da Universidade Estácio e membro do LEPESPE


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