A estreia da Seleção Brasileira na Copa

Nos últimos dias fiquei ouvindo, assistindo e lendo inúmeras opiniões sobre o empate no jogo de abertura da nossa participação na Copa do Mundo contra a Suíça. Deparei-me com opiniões de como o Brasil não jogou bem, dos erros do juiz e do VAR, da instabilidade da Seleção, de eventuais desarranjos emocionais e de como isso pode desencadear as mesmas reações do 7 X 1 da Copa de 2014. Sobre esses apontamentos discorro e fundamento minhas análises nesse texto. Com exceção das duas primeiras que posso até considerar que o Brasil não jogou bem, ou melhor, não jogou o que almejávamos que ele jogasse e que houve problemas na arbitragem. As outras três variáveis não encontram qualquer suporte em fatos, além da criação de leads que atraiam a atenção para uma eventual catástrofe. E que efetivamente provoquem cliques dos leitores nas matérias.
Uma contextualização anterior ao jogo é fundamental. Não houve, dos que tive acesso, qualquer comentarista que afirmasse que o jogo contra a Suíça seria fácil. O retrospecto não era favorável em qualquer circunstância em apontar a possibilidade de um jogo fácil. Então por que essa reação por vezes histriônica do resultado?
Um dos aspectos foi o desempenho e posso separá-los entre o ideal (desejado) e o real. Resolvi, e peço desculpas se cansá-los, fazer um levantamento das estreias da seleção brasileiras em todos os mundiais. Vamos lá: nos dois primeiros mundiais (1930 e 1934) perde a partida de estreia por 2 x 1 e 3 x 1, respectivamente para Iugoslávia e Espanha. Em 1938, vence a Polônia na prorrogação por 6 x 5. E ai, se inicia a melhor fase de estreias da seleção entre 1950 e 1966, o Brasil vence as 5 estreias por ao menos 2 gols de diferença sem sofrer gols, respectivamente sobre México (4 x 0), México (5 x 0), Áustria (3 x 0), México (2 x 0) e Bélgica (2 x 0). Em 1970, vence a Tchecoslováquia por 4 x 1. Essa copa é diferenciada, pois o Brasil marca ao menos 3 gols em 5 das 6 partidas. A partir de 1970 não houve mais estreias tranquilas. Em 1974 e 1978, empates com Iugoslávia (0 x 0) e Suécia (1 x 1). Em 1982, vitória de virada contra a União Soviética (2 x 1). Em 1986 vence a Espanha por 1 x 0 e faz 2 x 1 na Suécia em 1990. De 1994 para cá os resultados foram 2 x 0, 2 x 1, 2 x 1, 1 x 0, 2 x 1, 3 x 1, respectivamente, Rússia, Escócia, Turquia, Croácia, Coreia do Norte e Croácia. Portanto, desde 1970 não há uma estreia que possa ser considerada “tranquila” da Seleção Brasileira. Então por que esperamos uma estreia avassaladora da seleção? Isto reside no nosso imaginário de uma Seleção Pentacampeã, reconhecida como a seleção com futebol mais vistoso e também eficiente, pois venceu. E que teve ao longo da história do futebol alguns dos jogadores mais notáveis de todos os tempos. Na realidade há um grande desequilíbrio entre o discurso midiático e dos torcedores e o desempenho em estreias de mundiais. Principalmente pela Suíça ser de todas as últimas estreias em mundiais o adversário que historicamente os resultados são mais apertados e equilibrados. Ou passa e perpassa pelo desejo da redenção do 7 X 1?
Quanto as questões emocionais – entramos em um outro campo recheado de especulações e infundadas opiniões. Quando esses apontamentos são realizados por torcedores e leigos faz parte da dinâmica de qualquer área, mas quando “especialistas” utilizam-se de um momento específico para generalizar, sem qualquer fundamentação teórica e/ou empírica, nada mais do que gerar Leads e criar análises sobre situações inexistentes apenas servem para contaminar e desequilibrar uma cultura esportiva já frágil no Brasil.
Muitos dos comentários eram sobre o nervosismo dos atletas na estreia do mundial. Só eles? Os atletas dos outros países não? Como sabe-se que não? Vá aos estudos de ansiedade pré-competitiva e verá que mesmo os atletas de altíssimo nível têm alterações, que podem chegar a sintomas físicos intensos: como dores, vômitos, outros não vão conseguir se alimentar direito, não vão conseguir dormir na véspera dos jogos, entre outros sintomas. Isso também vai afetar os membros da comissão técnica. Hanton, Thomas e Maynard (2004) encontraram em seu estudo que os sintomas de ansiedade pré-competitiva iniciavam-se de 7 a 2 dias antes das competições e que o nível dessa ansiedade ia se elevando conforme se aproximava a competição. Obviamente que uma preparação psicológica adequada auxilia em criar rotinas e formas para que essa ansiedade, e não é só ela. Existem outros fatores como a motivação, a concentração, o estresse, a agressividade, entre diversas variáveis psicológicas que estão afloradas na competição, possam ser canalizadas para a uma elevada performance. O que os torcedores talvez não saibam é que níveis baixos dessas variáveis também prejudicam o desempenho.
Outro fato que foi relatado, foi um certo desarranjo após o gol da Suíça. E por que esse pequeno desarranjo não aconteceria? O que importa é o retorno à performance num curto espaço de tempo. Interessante é que não vi ninguém apontar que isso aconteceu com a Alemanha que perdeu para o México. E aconteceu… Assistam novamente e verifiquem a expressão dos atletas alemães, verifique que eles tentaram acelerar o jogo que é uma das reações possíveis, gerada pela ansiedade para reverter o o resultado. Não vi ninguém apontar o desequilíbrio do Joaquin Low na beira do campo. Vejam que as reações deles foram muito mais intensas do que normalmente acontece. Usualmente ele fica a beira do campo de braços cruzados ou sentado no banco com reações mínimas. Nesse cenário não podemos misturar erros técnicos com instabilidade emocional. Necessariamente um erro técnico não é decorrente de uma instabilidade emocional, mas erros sucessivos têm mais força em deslocar o equilíbrio emocional. Assim, é preciso antes de julgar ou estabelecer uma análise com precisão, verificar e avaliar se o erro é efetivamente decorrente de desequilibro emocional, se é que houve qualquer desequilíbrio emocional. O pior é associar um possível desequilíbrio como consequências de reminiscências da derrota de 7 x 1. Por favor, alguém consiga encontrar evidências científicas de que essa associação é no mínimo plausível?
E há um outro componente no gol. A FIFA não dirá que houve um erro de arbitragem ou um equívoco na decisão do árbitros que estavam no VAR. Mas aqueles que praticaram esportes de contato sabem muito bem que não se precisa de força para desequilibrar um adversário em deslocamento, basta um leve deslocamento do centro de gravidade. Fora a questão intencional, cansei de ouvir ex-árbitros discutirem e sustentarem cartões dados em lances a partir da intenção do jogador em tirar vantagem da situação. O atleta da Suíça não tirou vantagem do seu gesto? Quantas foram as vezes que marcaram falta em disputa de bola e disseram que a disputa não foi ombro a ombro, que um dos atletas fez a disputa nas costas do adversário e o Suíço não foi nas costas? Ainda mais com um telão mostrando o empurrão. Ah! Mas não foi suficiente, só pode ser um inconsequente para dizer isso. Há vários outros erros do juiz que ficaram em segundo plano. No começo do jogo o Neymar foi agarrado pela camisa e não foi marcada nem a falta, o juiz optou pela vantagem, e não se deu cartão para quem agarrou e sabe-se que um cartão em início de jogo para um jogador de marcação altera muitas vezes a forma que serão as outras entradas. Há um escanteio no lance do Paulinho no primeiro tempo em que o goleiro defende e desvia a bola, que visivelmente entraria, e, por fim, o lance do Gabriel Jesus, com o pênalti não marcado. Ontem foi marcado um pênalti contra a Rússia num puxão no ombro de Salah, não pode puxar, mas pode abraçar. Achar que o abração que o jogador da Suíça deu no Gabriel Jesus não prejudicou o jogador é ignorar tudo… Um das justificativas é que o VAR não pode ser utilizado para inibir o caráter de contato físico no futebol, mas em nenhum dos casos é disso que estamos falando. Pior, esportes como o Tênis e o Voleibol já têm o desafio em que em lances duvidosos a equipe pode pedir a revisão do lance e isso é público, não depende de uma cabine de checagem. O Estádio/Ginásio, portanto, todo o público pode rever o lance e não é incomum reverterem decisões. Na NBA atualmente os árbitros fazem checagem de vídeo para ver se uma cesta foi de 2 ou 3 pontos em caso de dúvida, para verificar a gravidade de uma falta e mais uma dezena de situações que estão previstas. No futebol não pode?!!!! Agora pela manhã li que a FIFA negou acesso aos áudios e imagens da cabine do VAR. Por quê? Por que sempre deixar uma áurea de dúvida, numa entidade cercada de problemas de corrupção.
Vamos a outro ponto delicioso de discutir. Li que o Neymar foi o jogador que mais recebeu faltas em uma partida de Copa do Mundo desde 1998. Alguém tem dúvida que foram? Foi uma das raras vezes em que não vi simulação do Neymar, muito pelo contrário, mas a fama o acompanhará por muito tempo. Contudo, a análise mais inusitada que li foi de que o Neymar não jogou bem por causa do cabelo. É mesmo? O Neymar muda o cabelo regularmente desde que começou a jogar no profissional. Sério que algo que faz parte da rotina, qualquer que seja o motivo para mudar regularmente o cabelo, seja por vaidade, estética, mídia, patrocinadores, desejos, gosto, etc… , colocar brinco ou não, a cor do brinco, da roupa é motivo de afetar a performance em campo? Gostaria que se provasse a relação de causa e efeito. Isso equivale dizer que o Cleveland Cavaliers perderam as finais da NBA porque o Lebron James usou um terno com bermuda e estava cheio de anéis reluzentes na chegada aos jogos. O problema do Neymar é falta de ritmo de jogo e não estar 100% por ter ficado 3 meses em recuperação de uma fratura. Ah! Isso não fez parte da análise?!!! O fator mais importante a se considerar… Aliás, ontem algumas das manchetes eram que o Neymar mudou o cabelo de novo, se jogar bem é porque mudou o cabelo, se jogar mal é porque cortou o cabelo. O corte de cabelo passou a ser fator preditivo de Performance.
Vamos a outro efeito cheio de incongruências. Nas outras Copas em que o Cristiano Ronaldo participou diversas foram as críticas ao fato dele olhar para o telão no estádio, ocorreram as mais diversas análises e críticas negativas, pois bem, no momento de bater a falta contra a Espanha aos 43 minutos do segundo tempo, no qual empatou o jogo, pois não é que ele olhou para o telão do estádio e fez o gol. Quer dizer que um atletas desse nível acertará um lance ou não por ele olhar para o telão? Nas provas do atletismo regularmente os atletas olham para o telão enquanto estão correndo para ver seu posicionamento em relação aos adversários. Vejam a rotina incomum que o Usain Bolt tinha nas provas: sorrindo, provocando, brincando com o público. Alguém dirá que ele desenvolveu essa rotina e que isso não afetava seu desempenho. Pois bem, isso vale para o Cristiano, Neymar, Lebron e os outros atletas de alto nível que têm lá suas rotinas e, lá, suas manias.
Os torcedores farão as mais diversas análises. Algumas que fazem sentido e outras que são meras especulações. Isso faz parte. O que diverge de profissionais que atuam em prol de um cenário de catástrofes em busca de holofotes. Pois bem sabem que catástrofe e desgraça dá leads.
Referências
HANTON, Sheldon; THOMAS, Owen; MAYNARD, Ian. Competitive anxiety responses in the week leading up to competition: the role of intensity, direction and frequency dimensions. Psychology of sport and exercise, v. 5, n. 2, p. 169-181, 2004.

Flávio Rebustini é Doutor em Desenvolvimento Humano e Tecnologias (UNESP – RC). Coordenador da Pós em Psicologia do Esporte da Universidade Estácio.

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